Entre mães e filhas Parte I – Visão Freudiana

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Maria Luiza Baldi Ballon
Psicanalista e Educadora e Saúde Pública

Quanta cumplicidade pode existir entre mãe e filha! É algo que transcende as palavras, podendo se expressar muitas vezes num olhar, numa identificação ou num desejo.

Mas quem nunca se deparou com uma briga entre mãe e filha, seja assistindo, seja participando da cena, marcada por alto grau de dramaticidade?

Muitas vezes não há motivo para tal intensidade de sentimentos que envolvem desde raiva e agressividade, até mágoa e ressentimento, não excluindo cuidados, atenção e afeto.

Essa ambiguidade de sentimentos se dá pelo fato da mãe ter sido o primeiro amor da menina, porém, posteriormente, tornou-se a maior decepção que podia lhe acontecer. Segundo Freud, essa decepção é tão grande que a faz deslocar o amor que endereçava à mãe, para o pai.

A mãe, além de introduzir a criança na linguagem, também é aquela que, com ternura, cuida da higiene do bebê, despertando-lhe sensações que o levam a elegê-la como seu primeiro objeto amoroso.

Num primeiro momento, o bebê está ligado a sua mãe de forma simbiótica, não se percebendo como um ser separado dela. Mesmo após perceber esta separação, a mãe ocupará um lugar tão privilegiado em sua psique que tentará descobrir o que falta a ela, colocando-se no lugar desta falta, na tentativa de supri-la.

Inspirado pela tragédia grega, Oedipus Rex, de Sófocles, Sigmund Freud descobriu, durante sua autoanálise, a correlação entre a tragédia e o pensamento psicanalítico, elaborando o Complexo de Édipo. Para Freud (2006a [1905], p.166), “parece, no entanto, que a vida sexual da criança costuma expressar-se numa forma acessível à observação por volta dos três ou quatro anos de idade”. O Complexo de Édipo é um conjunto de emoções ambivalentes, formado por desejos amorosos e hostis que uma criança, entre três e cinco anos de idade, vivencia em relação aos seus pais, no pico da fase fálica, fase na qual o órgão genital assume o papel principal.

Por muito tempo, passou despercebido para Freud a ligação inicial da menina com a mãe. Foi na análise de mulheres que mantinham uma forte ligação com seus pais, que Freud observou que havia uma ligação mais primária da filha com a mãe, sendo que esta ligação era muito intensa e longa, persistindo muitas vezes até o quinto ano de idade da menina. Freud chamou esta fase pela qual a menina passa de pré-edípica.

Nesta fase, o pai da menina não passa de um rival. As relações libidinais da menina com sua mãe persistem através das três fases da sexualidade infantil e se expressam por desejos orais, sádico-anais e fálicos. Esses desejos representam pulsões ativas e também passivas, completamente ambivalentes, possuindo tanto uma natureza carinhosa, como hostil e agressiva. Esta fase preliminar de vinculação com a mãe tão rica e duradoura pode deixar algumas fixações.

Na fase pré-edípica, a mãe é uma figura sedutora, pois foi realmente ela que, por suas atividades relativas à higiene corporal da criança, estimulou e despertou sensações prazerosas nos genitais. Logo, existe uma relação entre esta fase de ligação com a mãe e a histeria, sendo, tanto uma quanto a outra, tipicamente feminina.

Esta vinculação com a mãe está destinada a dar lugar a uma vinculação com o pai, não se tratando de uma simples troca. A vinculação com a mãe termina em ódio que poderá durar a vida toda; uma parte dele é superada, enquanto outra persiste.

Quando a menina direciona a sua afetividade para o pai, ela justifica esta atitude, apresentando uma longa lista de acusações e queixas contra a mãe.

Freud observa que os desapontamentos no amor e o ciúme acontecem, também, com o menino em relação à sua mãe e, mesmo assim, não são capazes de afastá-lo do objeto materno. Ele acredita, então, que o término da vinculação da menina com a mãe esteja presente em algo específico das meninas e não presente nos meninos. O real motivo do término da vinculação da menina com sua mãe situa-se no Complexo de Castração; a distinção anatômica entre os sexos deve expressar-se em consequências psíquicas. As meninas responsabilizam sua mãe por sua falta de pênis e, assim, sentem-se colocadas em desvantagem. Desta forma, atribuímos às mulheres um Complexo de Castração, que é diferente daquele dos meninos.

É o complexo de Castração que prepara a menina para o ingresso no complexo de Édipo. O Complexo de Édipo inicia-se, na menina, com a transferência de suas ligações objetais afetivas para o pai, enquanto a hostilidade contra a mãe intensifica-se, pois ela é vista como rival.

Para as meninas, a situação edípica é uma solução preliminar, uma posição de repouso que, por muito tempo, obscureceu a observação da vinculação pré-edípica com a mãe, vinculação esta que pode deixar atrás de si fixações tão duradouras.

A menina, decepcionada com a mãe por não ter lhe dado o falo, volta-se para o pai, reivindicando lhe seu poder e sua potência. O pai, no entanto, nega-lhe o Falo, uma vez que ele cabe à sua mãe.

Essa primeira recusa do pai faz com que a menina mude de posição: em vez de querer obter o Falo do pai, ela quer agora ser o próprio Falo para o pai, ou seja, a “queridinha do papai”.

É na entrada do Complexo de Édipo que a menina reencontra sua mãe, a mesma que antes a havia decepcionado, agora se torna para ela o modelo de feminilidade. A menina aproxima-se da mãe e, com ela, aprende a arte de seduzir um homem.

Toda mãe é para a filha tanto um modelo, quanto uma rival. A filha identifica-se com o desejo da mãe no sentido de ser a mulher do homem amado e querer dar-lhe um filho.

Freud fala sobre as importantes influências da fase pré-edípica na relação objetal futura. Pode ocorrer que sob a influência da transformação da mulher em mãe, possa ser revivida uma identificação com sua própria mãe, contra a qual ela vinha batalhando até a época do casamento, e isto é capaz de atrair para si toda a libido disponível, de modo que a compulsão à repetição reproduza, por exemplo, o casamento infeliz dos pais.

…observamos que muitas mulheres que escolheram o marido conforme o modelo do pai, ou o colocaram em lugar do pai, não obstante repetem para ele, em sua vida conjugal, seus maus relacionamentos com as mães. O marido de tal mulher destinava-se a ser o herdeiro de seu relacionamento com o pai, mas, na realidade, tornou-se o herdeiro do relacionamento dela com a mãe. Isso é facilmente explicado como um caso óbvio de regressão. O relacionamento dela com a mãe foi o original, tendo a ligação com o pai sido construída sobre ele; agora, no casamento, o relacionamento original emerge da repressão, pois o conteúdo principal de seu desenvolvimento para o estado de mulher jaz na transferência, da mãe para o pai, de suas ligações objetais afetivas. (FREUD, 2006e [1931], p.239)

Por outro lado, esta passagem de mulher para mãe é o momento precioso que, propiciando o confronto com situações arcaicas vivenciadas com sua própria mãe, pode, muitas vezes, possibilitar-lhe superar alguns desses conflitos, voltando a existir entre elas a tão desejada cumplicidade perdida.

 

Referências Bibliográficas

FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. [1905]. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006a

FREUD, S. A Organização Genital Infantil. [1923b]. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006b

FREUD, S. O Problema Econômico do Masoquismo. [1924a]. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006c

FREUD, S. A Dissolução do Complexo de Édipo. [1924b]. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006d

FREUD, S. Sexualidade Feminina. [1931]. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006e

FREUD, S. Feminilidade. Conferência XXXIII. [1932]. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006f

NÁSIO, J. D. Édipo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007

 

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Uma resposta

  1. Adorei a explicação! A articulação de textos nos dá visão ampla.
    Vou passar a seguí-los, procurar pelos seus postres.
    Sou estudante de psicologia. E Amo essa abordagem!
    Denise
    Muita Gratidão