O Natal é uma festividade que é comemorada bem antes do nascimento do cristianismo
O Natal é uma festividade que é comemorada bem antes do nascimento do cristianismo, não se tem uma precisão de data, mas sua origem foi com os povos pagãos que comemoravam o solstício de inverno no hemisfério norte. Viviam da agricultura e comemoravam a mudança das estações do ano com grandes rituais de agradecimento a boa colheita, comiam, dançavam e acendiam grandes fogueiras para celebrar o sol.
O cristianismo surgiu, e se apropriou desta data no sentido de reprimir os rituais pagãos, reforçar o cristianismo e dar uma data para o nascimento de Cristo, que era o salvador dos cristãos, não se tem registros fidedignos do dia em que Jesus nasceu. A partir daí, o Natal passou a ser uma festa religiosa, e hoje vai tomando outros contornos devido a influência capitalista. Hoje há uma mistura de mitos, ritos e sintomas.
A festa natalina passou a ter várias representações simbólicas oriundas do entrelaçamento das culturas. A árvore, é um pinheiro que é resistente, representa a vida, fecundidade, as luzes são como as fagulhas das fogueiras que eram representação da luz do sol, o nascimento de Cristo se refere ao Salvador do Cristianismo, o papai Noel o bom velhinho que faz referência ao olhar paterno, a troca de presentes é a presentificação do amor.
O ser vivente só se transforma em humano por meio dos afetos que estão relacionados com a relação de objetos, estes para se tornarem simbólicos precisam serem transformados pelo afeto de um outro humano e apresenta para o pequeno infante. Somos seres de ligação, precisamos do “olhar amoroso do Outro” para nos humanizarmos. Os objetos traz em si mesmo a dádiva do amor que o outro nos deu. Portanto, trocar presentes, é uma forma de reconhecimento, de ser visto, desejado e amado.
As representações simbólicas que se agregaram as festividades natalinas e de final de ano estão intrínsecas na constituição da nossa cultural atual. Hoje a festa de Natal convoca cada um para um lugar emocional, pode ser agradável ou desagradável, ou indiferente, mas todos tem uma posição diante desta data.
A data provoca um estado de excitação que envolvem todos, muitos são os estímulos que nos envolve, comemorações antecipadas com amigos, alguns montam árvores, enchem as casas de luzes, o comércio utiliza todos os modos para contagiar e impulsionar suas vendas com cores, músicas, prêmios, papai Noel, os shoppings se transformam grandes áreas de lazer com objetos sedutores para enebriar crianças e adultos. Outros, falam mal, não se conformam com tudo isso, dizem que o Natal perdeu o sentido cristão, é só comercio. Outros se isolam em casa para não ver nada disso, e assim todos estão envolvidos neste simbolismo, de uma forma ou de outra.
A ceia de Natal, é mais uma representação, nos convoca para o seio familiar, presentes ou ausentes, festiva ou triste, nos remete ao núcleo familiar. É uma festa totêmica, em que cada um renova aqui a sua posição diante da família, cada um tem o seu lugar e renovam os votos de fraternidade e respeito aos membros que lideram a família, homenageiam os ancestrais que deram origem a este clâ. É um período em que somos impulsionados a lidar com os sentimentos de vida e morte.
Pode-se se fazer aqui uma relação psicanalítica das representações inconscientes que nos constitui como um sujeito. O Natal e o final do ano, são representações simbólicas que traz à tona a nossa própria finitude e a quebra da fantasia da felicidade eterna. Freud, o criador da psicanálise já disse em 1930, no seu memorável texto “O Mal-estar da Civilização” que não existe a felicidade, o homem sempre tem que se haver com o mal-estar, viver é sempre neutralizar a pulsão de morte.
Referindo-se, por exemplo, na representação natalina do nascimento do menino Jesus e pela morte do ano velho, tanto um, quanto o outro tem perdas, e as perdas nos remetem a um estado de sofrimento, está que temos que tolerar durante toda vida.
O nascimento já é um grande trauma para a criança, ela que estava por 9 meses em um estado homeostático, totalmente protegido dentro do útero materno, não tinha que fazer absolutamente nada, com o nascimento o bebê perde tudo que tinha naquele paraíso. Para nascer tem que fazer um enorme esforço, não importa qual o tipo de parto, logo que nasce entra em um caos. Tem o esforço para nascer, tem que respirar sozinho, que é muito doloroso, entra em contato com o ambiente, que é hostil, luzes, barulho, frio, quente, corta o cordão umbilical, aplica injeção no pezinho, tudo isso ele experiencia abruptamente para poder viver. E ainda para ele poder constituir-se como sujeito e sair da sua condição instintual precisa de um cuidador que o ame, que o ampare, que esteja disposto a cuidar dele para que não morra e o coloque na cadeia simbólica. Para tanto, é necessário que haja um grande Outro capaz de colocá-lo na cadeia simbólica, que só se dá pelo processo amoroso. É uma luta e tanto para viver, e haverá frustação, dor e sintomas. A representação natalina do filho de Deus em uma manjedoura, remete a fragilidade de um bebê que é totalmente dependente de um adulto, e ainda tem que lutar para dar conta os desatinos da vida.
O ritual do ano velho e a espera do novo, remete a um sentimento de ambivalência, de um lado a esperança de recomeço e por outro lado, é a perda de mais um ano de vida, estamos envelhecendo, e com isso há perdas, de tempo, o corpo vai apresentando sinais de desgaste, há perda de vitalidade, perdas de pessoas amadas, a cada dia que passa e um dia a menos de vida, isto é um gerador de angústia frente a nossa finitude.
As festas de final de ano não é tarefa fácil para ninguém, e para lidar com isso o ser humano vai encontrando defesas para lidar com as suas angústias. Uma das formas que se criou para lidar com o mal-estar que faz parte da vida humana, foi reunir-se em grupos para não se sentir só nesta jornada, cria-se grupos familiares, sociais, políticos, esportivos, busca-se objetos para preencher os vazios da existência, como compras, comidas, bebidas, trabalho, que em excesso vai gerar sintomas. Os sintomas podem ser um conflito, ou até sintomas patológicos graves de compulsões como TOC, somatizações físicas e psíquicas. As festividades de final de ano têm o poder de reacender as representações inconscientes que estão recalcadas que se apresentam de diversas formas, e que pode estar na origem das reações negativas e dolorosas em relação ao Natal.
O Natal para muitos tem um sentido de sofrimento, o primeiro desapontamento já se dá na vida infantil, a criança que vivei a fantasia da existência do papai Noel ao crescer vai perceber que ele não existe. Em relação ao Natal a criança vai ter a sua primeira frustação, e terá que lidar com a perda desta ilusão. As crianças acreditam nesta fantasia, para elas são reais, e os presentes deixados no sapatinho, debaixo da árvore traz a felicidade para esta criança, e para aquelas que esperam ansiosamente um presentinho do papai Noel, e não recebe, causa uma grande frustação e pode deixar marcas profundas na vida adulta.
As famílias que festejam, congregam entre os membros para fortalecer os laços afetivos, e quando existe perdas no grupo, seja por perdas naturais ou por alguma discordância, instaura um grande vazio, preenchido pela saudade. É uma data que traz sentimentos ambivalentes e conflituosos para os membros da família. Se forem casados, fica o conflito de onde passar o Natal, tem que contemplar a família do casal. Os casais separados têm conflitos em relação aos filhos de onde vão passar o Natal e com quem. Os casais não convencionais têm que enfrentar os preconceitos, se for solteiro a cobrança é ainda maior, precisa estar com a família de origem, para àqueles que estão afastados por qualquer motivo da família, fica a solidão.
Tem outro ponto delicado, no Natal e o final de ano, pelo costume, é o período de fazer balanço dos nossos anseios e desejos; geralmente não se consegue atingir tudo o que desejamos, e o estado de insatisfação e de descontentamento está posto. Muitas pessoas, que tem fortes traumas, ou uma estrutura egóica frágil podem entrar em depressões profundas. A depressão não é o resultado somente em relação as festividades, necessariamente não é a causa, existem outras causas inconscientes que deixam o sujeito mais sensível nesta época.
O Natal nos faz entrar em contatos com os nossos afetos, e é isso que nos torna humanos, é um tempo de reflexões, traz uma marca simbólica da existência dos recomeços, é o retorno das possibilidades de sonhar com uma vida melhor. Este é o melhor presente do Natal, a possibilidade de olhar para o que temos de humanos.
Por: Araceli Albino